sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

TransPaulo 22

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começaremos daqui um relato indireto de tiros no escuro
imagine um exercício de simulação de outdoors


(o) Discurso de Primavera e Algumas Sombras, Carlos Drummond de Andrade
(o) Fundação Feltro 6007

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O que menti inexplicável no que vi te explico agora: meu olhar voltava pra ti em todos os esbarrões e fragmentos das visitas que você me fazia e minha alma tinha fome; quem de vocês a ouviu roncar? Quando eu era a que possuía o vazio entre nós; quis ser a própria corda e fui a quase mais bonita narrativa interconectada das suas dexistências. Das pilhas de roupas às louças à janela aberta e uma visão bem íntima possível era a área 5. Os cômodos inconstantes e a aflição da minha saudade da sua caligrafia no toctoque à porta do meu breve 38.

Ele pergunta se aprendi a dirigir e digo não; pergunta se comprei um liquidificador e digo não; se tênis não; sapato não; vendi a vitrola.

Por outro lado, três andares abaixo e oito portas à direita morava uma senhora surda que se lembrava da tua voz e sempre me pedia histórias. Me dizia ter sido Dalila e Lampião ainda mocinha, que era índia em nossos quartos muito antes das paredes e os desboços; enquanto uma outra moça desaguava em ti eu ouvia da velha que a surdez era uma benção e foi assim que dormi no dia:
     com as águas da moça num ouvido e         
a surdez da velha sendo um rio no outro ouvido.        

Naquela lua sonhei com todas as suas amigas sendo um grande copo d'água, d'água mesmo, não de vidro e só o copo e nele eu e mil formigas, e você nos bebia e jogava ao chão o copo-moças. Dentro de ti eu me tornava um lobo bom e com boas dentadas bem intencionadas mastigava teu coração sem arrancar parte que fosse; queria babá-lo uva passa, coração-passa inarrebentável.

Acordei com as orelhas doloridas e uma bolha de sangue no lugar do brinco morto que ganhei teu nalguma noite, no meu aniversário, no jantar dentro do lixo: azul, o de quadrados preto-amarelo-pretoamarelopreto. O brinco estava no chão e meu sangue na mão. O pavor de estar cada dia mais magra de repente foi me reentrar feliz. Recuperaria meu peso comendo tudo de você que pudesse achar dentro de mim
     (e, mesmo magra-pau, daí seria a baleia, enorme do seu vazio, e por hora seria o suficiente).

Meu maxilar doía: era um capacete de seis prazeres e meu foguete corria longe, fugia ao controle nos súbitos risos de Janeiro.

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